As Palavras Que Eu Cantei (Decca, 1976)

Lado A: 1 - Se a Manhã Se Despenteia (Nuno Nazareth Fernandes - Ary dos Santos) / 2 - As Palavras Que Eu Cantei (Nuno Nazareth Fernandes - Ary dos Santos) / 3 - Fontes Que Me Deram Voz (Jorge Machado - Mário Martins) / 4 - Avé Maria do Povo (Nuno Nazareth Fernandes - Ary dos Santos) /    5 - Meu Menino Portugal (Nuno Nazareth Fernandes - Ary dos Santos) / 6 - Aos Domingos (Paco Bandeira - Eduardo Olímpio)

Lado B: 7 - Se Tu Voltasses (Nuno Nazareth Fernandes - Ary dos Santos) / 8 - Esta Festa das Cidades (Nuno Nazareth Fernandes - José Jorge Letria - Nuno Gomes dos Santos) / 9 - Fala da Mulher Sozinha (Paco Bandeira - Eduardo Olímpio) / 10 - Murmúrio do Tempo Perdido (Verónica) /                       11 - Interrogação Sem Resposta (Paco Bandeira - Sidónio Muralha) / 12 - No Teu Poema (José Luís Tinoco)

Arranjos e direcção de orquestra de Jorge Machado

Minha querida Simone,

Quando ontem, ao cair da noite, saí de tua casa depois de ter ouvido, com um grupo muito restrito de amigos nossos, a gravação ainda em fita do teu novo LP, vinha de orgulho - por ti, evidentemente.

Tu sabes que eu não sou nada do tipo de escrever cartas de elogio aos camaradas de profissão. Se gosto, gosto - se não gosto não gosto. Digo logo. Tu e eu habituámo-nos, em muitos anos de leal amizade e colaboração, a discutir saudavelmente o material de trabalho de cada um de nós e, com aquela espontânea franqueza que Deus nos deu, a apontarmos erros ou sublinharmos qualidades. Este à-vontade profissional nunca influiu, contudo, na enorme admiração que sempre tive por ti, quer como Artista de grande qualidade, quer como Mulher de grande coragem.

Mas este teu novo disco merece, realmente, uma palavra mais. Ele não só confirma o teu primeiríssimo lugar no cançonetista de língua portuguesa como atinge uma craveira internacional que é justo venhas a alcançar - que é injusto ainda não teres alcançado.

Esse cantar-com-tudo que tu tens, essa voz feita de longes e profundidades, parece ter sido moldada em experiências pessoais, como se cada canção fosses tu ou um pouco de ti. Continuas a ser egoísta na interpretação. Felizmente.

É espantoso como se pode olhar para o que cantas!

A força, a raça, a verdade, andam de braço dado com essa tua voz que sente cada linha do poema, cada nota musical, cada nuances de emoção das cantigas. És egoísta, é o que eu digo...

Mas é exactamente essa riqueza e diversidade de criação, esse dramatizo que dás a cada palavra que pronuncias embrulhada na música, que te torna um caso àparte - a Simone-voz, a Simone-presença, a Simone-personalidade, Simone que o público conhece, admira e aplaude. E eu também, que exijo ser o teu público n.º 1.

Sinceramente não sei qual das tuas canções me agradou mais. Gostei de todas. Mas é quase impossível atingir-se a altura que consegues em "Se tu voltasses". "Meu Menino Portugal" e "Avé Maria do Povo", da dupla Ary dos Santos - Nuno Nazareth, em "No teu poema", de José Luiz Tinoco, em "Fontes que me deram voz", de Mário Martins - Jorge Machado ou nessa deliciosa aguarela que é "Aos Domingos", de Paco Bandeira.

Uma mão-cheia de bons poemas e músicas a que tu deste esse teu belo e grande talento, tornando mais rica a canção portuguesa de hoje.

Desculpa todo este amontoado de elogios. Mas tu merece-los e eu tinha que t'os dizer.

Um beijinho e um obrigado do César d'Oliveira

Lisboa, 1 de Outubro de 1976